(UNICAMP - 2001 - 2 FASE) Considere o poema abaixo:
INVENTÁRIO
Povoam o escritório
vários utensílios
uns bastante sóbrios
outros indiscretos
Por exemplo: a mesa
é sóbria. Rumina
todos os papéis
no oco das gavetas
O que a mesa expele
para a superfície
é simples dejeto
livre de mistério
O arquivo também
é móvel discreto
e diz muito pouco
de interesse humano
A caneta, o lápis
o papel, o cesto
são só instrumentos
sem vontade própria
Dois os indiscretos:
minhas duas mãos –
úlcera no estômago
da repartição
Aparentemente
peças quase iguais
às demais: os mesmos
modos funcionais
Contudo é preciso
vê-Ias em sua marca:
no rastro dos dedos
no selo do gesto
Ali onde transgridem
a ética da classe
que proíbe os objetos
de serem pessoais
Onde desconhecem
o acordo em vigor
que as coisas transforma
em armas submissas
Não pactuam – hostis
minhas duas mãos
acidulam o ar
da repartição
(Francisco Alvim, Amostra Grátis. ln: Poesias Reunidas (1968-1988). São Paulo, Duas Cidades, 1988.)
a) De qual critério se serve o poeta para classificar as diferenças entre os “vários utensílios” que “povoam o escritório”? Por que essa classificação destoa tanto da nossa percepção habitual?
b) Como aparece a presença humana em meio ao ambiente da repartição?