(UNICAMP - 2016)
É possível fazer educação de qualidade sem escola
É possível fazer educação embaixo de um pé de manga? Não só é, como já acontece em 20 cidades brasileiras e em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. Decepcionado com o processo de “ensinagem”, o antropólogo Tião Rocha pediu demissão do cargo de professor da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto) e criou em 1984 o CPCD (Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento).
Curvelo, no Sertão mineiro, foi o laboratório da “escola” que abandonou mesa, cadeira, lousa e giz, fez das ruas a sala de aula e envolveu crianças e familiares na pedagogia da roda. “A roda é um lugar da ação e da reflexão, do ouvir e do aprender com o outro. Todos são educadores, porque estão preocupados com a aprendizagem. É uma construção coletiva”, explica.
O educador diz que a roda constrói consensos. “Porque todo processo eletivo é um processo de exclusão, e tudo que exclui não é educativo. Uma escola que seleciona não educa, porque excluiu alguns. A melhor pedagogia é aquela que leva todos os meninos a aprenderem. E todos podem aprender, só que cada um no seu ritmo, não podemos uniformizar.”
Nesses 30 anos, o educador foi engrossando seu dicionário de terminologias educacionais, todas calcadas no saber popular: surgiu a pedagogia do abraço, a pedagogia do brinquedo, a pedagogia do sabão e até oficinas de cafuné. Esta última foi provocada depois que um garoto perguntou: “Tião, como faço para conquistar uma moleca?” Foi a deixa para ele colocar questões de sexualidade na roda.
Para resolver a falência da educação, Tião inventou uma UTI educacional, em que “mães cuidadoras” fazem “biscoito escrevido” e “folia do livro” (biblioteca em forma de festa) para ajudar na alfabetização. E ainda colocou em uso termos como “empodimento”, após várias vezes ser questionado pelas comunidades: “Pode [fazer tal coisa], Tião?” Seguida da resposta certeira: “Pode, pode tudo”. Aos 66 anos, Tião diz estar convicto de que a escola do futuro não existirá e que ela será substituída por espaços de aprendizagem com todas as ferramentas possíveis e necessárias para os estudantes aprenderem.
“Educação se faz com bons educadores, e o modelo escolar arcaico aprisiona e há décadas dá sinais de falência. Não precisamos de sala, precisamos de gente. Não precisamos de prédio, precisamos de espaços de aprendizado. Não precisamos de livros, precisamos ter todos os instrumentos possíveis que levem o menino a aprender.”
Sem pressa, seguindo a Carta da Terra e citando Ariano Suassuna para dizer que “terceira idade é para fruta: verde, madura e podre”, Tião diz se sentir “privilegiado” de viver o que já viveu e acreditar na utopia de não haver mais nenhuma criança analfabeta no Brasil. “Isso não é uma política de governo, nem de terceiro setor, é uma questão ética”, pontua.
A partir da identificação de várias expressões nominais ao longo do texto, é correto afirmar que:
As expressões “pedagogia do abraço”, “pedagogia da roda”, “pedagogia do sabão”, “pedagogia do brinquedo”, “oficinas de cafuné” são referências a terminologias educacionais de caráter técnico.
As expressões “biscoito escrevido”, “processo de ensinagem” e “folia do livro” são neologismos criados por meio da manipulação de processos de formação de palavras.
A expressão “escola” está entre aspas porque se refere aos espaços de aprendizagem diferentes da escola tradicional de hoje e que não serão encontrados no futuro.
A expressão “processo eletivo”, compreendida no texto como exclusão social, pressupõe a existência de um projeto educacional que tem por objetivo a uniformização da aprendizagem.