(UNIFESP - 2014)
A sensível
Foi então que ela atravessou uma crise que nada parecia ter a ver com sua vida: uma crise de profunda piedade. A cabeça tão limitada, tão bem penteada, mal podia suportar perdoar tanto. Não podia olhar o rosto de um tenor enquanto este cantava alegre – virava para o lado o rosto magoado, insuportável, por piedade, não suportando a glória do cantor. Na rua de repente comprimia o peito com as mãos enluvadas – assaltada de perdão. Sofria sem recompensa, sem mesmo a simpatia por si própria.
Essa mesma senhora, que sofreu de sensibilidade como de doença, escolheu um domingo em que o marido viajava para procurar a bordadeira. Era mais um passeio que uma necessidade. Isso ela sempre soubera: passear. Como se ainda fosse a menina que passeia na calçada. Sobretudo passeava muito quando “sentia” que o marido a enganava. Assim foi procurar a bordadeira, no domingo de manhã. Desceu uma rua cheia de lama, de galinhas e de crianças nuas – aonde fora se meter! A bordadeira, na casa cheia de filhos com cara de fome, o marido tuberculoso – a bordadeira recusou- se a bordar a toalha porque não gostava de fazer ponto de cruz! Saiu afrontada e perplexa. “Sentia-se” tão suja pelo calor da manhã, e um de seus prazeres era pensar que sempre, desde pequena, fora muito limpa. Em casa almoçou sozinha, deitou-se no quarto meio escurecido, cheia de sentimentos maduros e sem amargura. Oh pelo menos uma vez não “sentia” nada. Senão talvez a perplexidade diante da liberdade da bordadeira pobre. Senão talvez um sentimento de espera. A liberdade.
(Clarice Lispector. Os melhores contos de Clarice Lispector, 1996.)
A alternativa em que o enunciado está de acordo com a norma- padrão da língua portuguesa e coerente com o sentido do texto é:
A senhora, pensando na recusa da bordadeira, não sabia se a perdoaria, mas achava melhor esquecer daquilo.
Ao descer pela rua cheia de lama, a senhora se perguntava aonde é que estava, confusa no lugar que caminhava.
Era comum de que a senhora, distraída com sua sensibilidade, fosse roubada, o que lhe fazia levar as mãos ao peito em sinal de inquietação.
A senhora, quando se dispôs a ir à bordadeira, esperava que esta não lhe recusasse o trabalho solicitado.
A senhora gostava muito de passear, embora tivesse ainda a impressão que era menina passeando pela calçada.