(FGV/RJ - 2016)
Nesses excertos, Dirceu apresenta a Marília alguns dos argumentos com que pretende convencê-la a desposá-lo, bem como lhe sugere uma imagem de sua vida conjugal futura.
[4]
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado,
de tosco trato, de expressões grosseiro,
dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal (1) e nele assisto (2) ;
dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite,
e mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!
(...)
[5]
Tu não verás, Marília, cem cativos
tirarem o cascalho e a rica terra,
ou dos cercos dos rios caudalosos,
ou da minada serra.
Não verás separar ao hábil negro
do pesado esmeril a grossa areia,
e já brilharem os granetes de oiro
no fundo da bateia (3).
(...)
Não verás enrolar negros pacotes
das secas folhas do cheiroso fumo;
nem espremer entre as dentadas rodas
da doce cana o sumo.
Verás em cima da espaçosa mesa
altos volumes (4) de enredados feitos;
ver-me-ás folhear os grandes livros,
e decidir os pleitos.
Enquanto revolver os meus consultos,
tu me farás gostosa companhia,
lendo os fastos da sábia, mestra História,
e os cantos da poesia.
Tomás A. Gonzaga, Marília de Dirceu.
Glossário:
(1) casal: pequena propriedade rural.
(2) assisto: resido, moro.
(3) bateia: utensílio empregado no garimpo; espécie de gamela.
(4) altos volumes: referência a processos judiciais, pois o poeta era magistrado.
Considerando-se o teor dos argumentos e das imagens aí presentes, pode-se concluir corretamente que
a relação amorosa proposta pelo poeta passa pelo crivo da racionalidade e do cálculo.
as preocupações pecuniárias do eu lírico revelam que ele visa antes ao dote que à dama.
o poeta trata de seduzir a dama interesseira, expondo-lhe o rol de seus bens.
o poeta acena à amada com um futuro conjugal aventuroso e movimentado.
as imagens idílicas que o eu lírico emprega remetem, de modo cifrado, a interesses eróticos inconfessáveis.