(AFA - 2023)
TEXTO I
Carta
Nela [terra], até agora, não pudemos saber que haja | |
ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem | |
lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim | |
frios e temperados, como os de Entre Douro e Minho, | |
5 | porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. |
As águas são muitas; infindas. E em tal maneira é | |
graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, | |
por bem das águas que tem. | |
Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me | |
10 | parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a |
principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. | |
E que aí não houvesse mais que ter aqui esta | |
pousada para esta navegação de Calecute, bastaria. | |
Quando mais disposição para se nela cumprir e fazer o que | |
15 | Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé. |
(CAMINHA, Pero Vaz de. “Carta”. In: PEREIRA, Paulo Roberto Dias. (Org.) Os três únicos testemunhos do descobrimento do Brasil. Rio de Janeiro: Lacerda Ed., 1999, p. 58.)
TEXTO II
Canção do exílio
(Gonçalves Dias)
Minha terra tem palmeiras | |
Onde canta o Sabiá; | |
As aves, que aqui gorjeiam, | |
4 | Não gorjeiam como lá. |
Nosso céu tem mais estrelas, | |
Nossas várzeas têm mais flores, | |
Nossos bosques têm mais vida | |
8 | Nossa vida mais amores. |
Em cismar, sozinho, à noite, | |
Mais prazer encontro eu lá; | |
Minha terra tem palmeiras | |
12 | Onde canta o Sabiá. |
Minha terra tem primores, | |
Que tais não encontro eu cá; | |
Em cismar – sozinho, à noite – | |
Mais prazer encontro eu lá; | |
Minha terra tem palmeiras, | |
18 | Onde canta o Sabiá. |
Não permita Deus que eu morra | |
Sem que eu volte para lá; | |
Sem que desfrute os primores | |
Que não encontro por cá; | |
Sem qu’inda aviste as palmeiras, | |
24 | Onde canta o Sabiá. |
Coimbra, julho de 1843
(BARBOSA, Frederico (Org.). Clássicos da poesia brasileira – antologia da poesia brasileira anterior ao Modernismo. São Paulo: O Estado de São Paulo/Klick Editora, 1997, p. 66-67.)
TEXTO III
A Pátria
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Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! | |
Criança! não verás nenhum país como este! | |
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta! | |
A Natureza, aqui, perpetuamente em festa, | |
5 | É um seio de mãe a transbordar carinhos. |
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos, | |
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos! | |
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos! | |
10 | Fecunda e luminosa, a eterna primavera! |
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Boa terra! jamais negou a quem trabalha | |
o pão que mata a fome, o teto que agasalha... | |
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Quem com o seu suor a fecunda e umedece, | |
Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece! | |
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15 | Criança! não verás país nenhum como este: |
Imita na grandeza a terra em que nasceste! |
(BILAC, Olavo. Poesias infantis. Rio de Janeiro, Minas, São Paulo: Francisco Alves & Cia,1904, p. 114-115.)
TEXTO IV
Canção do expedicionário
(Guilherme de Almeida)
Você sabe de onde eu venho? | |
Venho do morro, do Engenho, | |
Das selvas, dos cafezais, | |
Da boa terra do coco, | |
5 | Da choupana onde um é pouco |
Dois é bom, três é demais, | |
Venho das praias sedosas, | |
Das montanhas alterosas, | |
Dos pampas, do seringal, | |
10 | Das margens crespas dos rios, |
Dos verdes mares bravios | |
Da minha terra natal. | |
Por mais terras que eu percorra, | |
Não permita Deus que eu morra | |
15 | Sem que volte para lá; |
Sem que leve por divisa | |
Esse “V” que simboliza | |
A vitória que virá: | |
Nossa vitória final, | |
20 | Que é a mira do meu fuzil, |
A ração do meu bornal, | |
A água do meu cantil, | |
As asas do meu ideal, | |
A glória do meu Brasil. | |
25 | Você sabe de onde eu venho? |
É de uma Pátria que eu tenho | |
No bojo do meu violão; | |
Que de viver em meu peito | |
Foi até tomando jeito | |
30 | De um enorme coração. |
Deixei lá atrás meu terreiro, | |
Meu limão, meu limoeiro, | |
Meu pé de jacarandá, | |
Minha casa pequenina | |
35 | Lá no alto da colina |
Onde canta o sabiá. | |
/.../ |
(POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. Departamento de Educação e Cultura. Disponível em https://dec.pm.df.gov.br/images/pdf/Hinos_e_Cancoes_Militares _-_reduzido.pdf. Acesso em 24/03/2022.)
TEXTO VI
O que faz o brasil, Brasil?
A questão da identidade
Devo começar explicando o meu enigmático título. | |
É que será preciso estabelecer uma distinção radical entre | |
um “brasil” escrito com letra minúscula, nome de um tipo | |
de madeira de lei ou de uma feitoria interessada em | |
5 | explorar uma terra como outra qualquer, e o Brasil que |
designa um povo, uma nação, um conjunto de valores, | |
escolhas e ideias de vida. O “brasil” com o b minúsculo é | |
apenas um objeto sem vida, autoconsciência ou pulsação | |
interior, pedaço de coisa que morre e não tem a menor | |
10 | condição de se reproduzir como sistema; /.../ Mas o Brasil |
com B maiúsculo é algo muito mais complexo. É país, | |
cultura, local geográfico, fronteira e território reconhecidos | |
internacionalmente, e, também casa, pedaço de chão | |
calçado com o calor de nossos corpos, lar, memória e | |
15 | consciência de um lugar com o qual se tem uma ligação |
especial, única, totalmente sagrada. /.../ Sociedade onde | |
pessoas seguem certos valores e julgam as ações | |
humanas dentro de um padrão somente seu. Não se trata | |
mais de algo inerte, mas de uma entidade viva, cheia de | |
20 | autorreflexão e consciência: algo que se soma e se alarga |
para o futuro e para o passado, num movimento próprio | |
que se chama História. Aqui, o Brasil é um ser parte | |
conhecido e parte misterioso, como um grande e poderoso | |
espírito. Como um Deus que está em todos os lugares e | |
25 | em nenhum, mas que também precisa dos homens para |
que possa se saber superior e onipotente. Onde quer que | |
haja um brasileiro adulto, existe com ele o Brasil e, no | |
entanto – tal como acontece com as divindades –, será | |
preciso produzir e provocar a sua manifestação para que | |
30 | se possa sentir sua concretude e seu poder. Caso |
contrário, sua presença é tão inefável como a do ar que | |
se respira, e dela não se teria consciência a não ser pela | |
comparação, pelo contraste e pela percepção de algumas | |
de suas manifestações mais contundentes. |
(DaMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986, p. 11-13)
O “Brasil com B maiúsculo”, no Texto VI, é definido como “pedaço de chão calçado com o calor de nossos corpos, lar, memória e consciência de um lugar com o qual se tem uma ligação especial, única, totalmente sagrada.” (linha. 13 a 16). Essa concepção de Brasil está presente na mensagem dos seguintes textos presentes nesta prova, EXCETO na(o)
“Canção do exílio”, de Gonçalves Dias.
“Canção do expedicionário”, de Guilherme de Almeida.
poema “A Pátria”, de Olavo Bilac.
“Carta” de Pero Vaz de Caminha.