(ENEM - 2012)
E como manejava bem os cordéis de seus títeres, ou ele mesmo, títere voluntário e consciente, como entregava o braço, as pernas, a cabeça, o tronco, como se desfazia de suas articulações e de seus reflexos quando achava nisso conveniência. Também ele soubera apoderar-se dessa arte, mais artifício, toda feita de sutilezas e grosserias, de expectativa e oportunidade, de insônia e submissão, de silêncios e rompantes, de anulação e prepotência. Conhecia a palavra exata para o momento preciso, a frase picante ou obscena no ambiente adequado, o tom humilde diante do superior útil, o grosseiro diante do inferior, o arrogante quando o poderoso em nada o podia prejudicar. Sabia desfazer situações equivocadas, e armar intrigas das quais se saía sempre bem, e sabia, por experiência própria, que a fortuna se ganha com uma frase, num dado momento, que este momento único, irrecuperável, irreversível, exige um estado de alerta para sua apropriação.
RAWET, S. O aprendizado. In: Diálogo. Rio de janeiro: GRD, 1963 (fragmentado).
No conto, o autor retrata criticamente a habilidade do personagem no manejo de discursos diferentes segundos a posição do interlocutor na sociedade. A crítica à conduta do personagem está centrada
Na imagem do títere ou fantoche em que o personagem acaba por se transformar, acreditando dominar os jogos de poder na linguagem.
Na alusão à falta de articulações e reflexos do personagem, dando a entender que ele não possui o manejo dos jogos discursivos em todas as situações.
No comentário, feito em tom de censura pelo autor, sobre as frases obscenas que o personagem emite em determinados ambientes sociais.
Nas expressões que mostram tons opostos nos discursos empregados aleatoriamente pelo personagem em conversas com interlocutores variados.
No falso elogio à originalidade atribuída a esse personagem, responsável por seu sucesso no aprendizado das regras de linguagem da sociedade.