(UFU - 2021 - 1ª fase) No livro A rosa do povo, Carlos Drummond de Andrade recorre à manipulação de elementos autobiográficos para atingir uma reflexão universal – como o trecho do poema “América”, colocado abaixo, exemplifica bem.
AMÉRICA (Trecho)
Ah, por que tocar em cordilheiras e oceanos!
Sou tão pequeno (sou apenas um homem)
e verdadeiramente só conheço minha terra natal,
dois ou três bois, o caminho da roça,
alguns versos que li há tempos, alguns rostos que contemplei.
Nada conto do ar e da água, do mineral e da folha,
ignoro profundamente a natureza humana
e acho que não devia falar nessas coisas.
Uma rua começa em Itabira, que vai dar no meu coração.
Nessa rua passam meus pais, meus tios, a preta que me criou.
Passa também uma escola - o mapa -, o mundo de todas as cores.
Sei que há países roxos, ilhas brancas, promontórios azuis.
A terra é mais colorida do que redonda, os nomes gravam-se
em amarelo, em vermelho, em preto, no fundo cinza da infância.
América, muitas vezes viajei nas tuas tintas.
Sempre me perdia, não era fácil voltar.
O navio estava na sala.
Como rodava!
As cores foram murchando, ficou apenas o tom escuro, no mundo escuro.
Uma rua começa em Itabira, que vai dar em qualquer ponto da terra.
Nessa rua passam chineses, índios, negros, mexicanos, turcos, uruguaios.
Seus passos urgentes ressoam na pedra,
ressoam em mim.
Pisado por todos, como sorrir, pedir que sejam felizes?
Sou apenas uma rua
numa cidadezinha de Minas
humilde caminho da América.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.121-3.
Considerando-se o trecho acima, assinale a alternativa correta.
Assim como o eu-lírico, a vastidão do universo espantava Drummond, por isso nunca deixou sua cidade natal (Itabira), conhecendo o mundo apenas por meio de leituras.
As lembranças de infância do autor são retrabalhadas poeticamente, de modo que a memória se torna fonte de conhecimento do eu-lírico sobre si mesmo e sobre o mundo.
O poeta foge das incertezas da vida, idealizando, em sua poesia, a infância passada em Itabira, vista como um mundo seguro, inteiramente voltado para ele mesmo.
O poema coloca América e Itabira como mundos opostos e isolados, pois o continente é figura do desconhecido e Itabira, do conhecido – desconexão que gera angústia e solidão.