(UNESP - 2022 - 1 fase - DIA 1) Leia a crnica Almaspenadas, de Olavo Bilac, publicada originalmente em 1902 Outro fantasma?... verdade: outro fantasma. J tardava. O Rio de Janeiro no pode passar muito tempo sem o seu lobisomem. Parece que tudo aqui concorre para nos impelir ao amor do sobrenatural [...]. Agora, j se no adormecem as crianas com histrias de fadas e de almas do outro mundo. Mas, ainda h menos de cinquenta anos, este era um povo de beatos [...]. [...] Os tempos melhoraram, mas guardam ainda um pouco dessa primitiva credulidade. Inventar um fantasma ainda um magnfico recurso para quem quer levar abom termo qualquer grossa patifaria. As almas simples vo propagando o terror, e, sob a capa e a salvaguarda desse temor, os patifes vo rejubilando. O novo espectro que nos aparece o de Catumbi. Comeou a surgir vagamente, sem espalhafato, pelo pacato bairro como um fantasma de grande e louvvel modstia. E to esbatido1passava o seu vulto na treva, to sutilmente deslizava ao longo das casas adormecidas que as primeiras pessoas que o viram no puderam em conscincia dizerse era duende macho ou duende fmea. [...] O fantasma no falava naturalmente por saber de longa data que pela boca que morrem os peixes e os fantasmas... Tambm, ningum lhe falava no por experincia, mas por medo.Porque, enfim, pode um homem ter nascido num sculo de luzes e de descrenas, e ter mamado o leite do liberalismo nos estafados seios da Revoluo Francesa, e no acreditar nem em Deus nem no Diabo e, apesar disso, sentir avoz presa na garganta, quando encontra na rua, a desoras2, uma avantesma3... Assim, um profundo mistrio cercava a existncia do lobisomem de Catumbi quando comearam de aparecer vestgios assinalados de sua passagem, no j pelas ruas, maspelo interior das casas. No vades agora crer que se tenham sumido, por exemplo, as hstias consagradas da igreja de Catumbi, ou que os empregados do cemitrio de S. Francisco de Paula tenham achado alguma sepultura vazia, ou que algum circunspecto pai de famlia, certa manh, ao despertar, tenha dado pela falta... da prpria alma. Nada disso. Os fenmenos eram outros. Desta casa sumiram-se as arandelas, daquela outra as galinhas, daquela outra as joias... E a polcia, finalmente, adquiriu a convico de que o lobisomem, para perptua e suprema vergonha de toda a sua classe, andava acumulando novos pecados sobre os pecados antigos, e dando-se prtica de excessos menos merecedores de exorcismos que de cadeia. Dizem as folhas4 que a polcia, competentemente munida de bentinhos5 e de revlveres, de amuletos e de sabres, assaltou anteontem o reduto do fantasma. Um jornal, dando conta da diligncia, disse que o delegado achou dentro da casa sinistra um velho pardieiro6 que fica no topo de uma ladeira ngreme alguns objetos singulares que pareciam instrumentos pertencentes a gatunos. E acrescentou: alguns morcegos esvoaavam espavoridos, tentando apagar as velas acesas que os sitiantes7 empunhavam. Esta nota de morcegos deve ser um chique romntico donoticiarista. No fundo da alma de todo o reprter h sempre um poeta... Vamos l! nestes tempos, que correm, j nem h morcegos. Esses feios quirpteros, esses medonhos ratos alados, companheiros clssicos do terror noturno, j no aparecem pelo bairro civilizado de Catumbi. Os animais, que esvoaavam espavoridos, eram sem dvida os franges roubados aos quintais das casas... Ai dos fantasmas! e mal dos lobisomens! o seu tempo passou. (Olavo Bilac. Melhores crnicas, 2005.) 1 esbatido: de tom plido. 2 a desoras: muito tarde. 3 avantesma: alma do outro mundo, fantasma, espectro. 4 folha: peridico dirio, jornal. 5 bentinho: objeto de devoo contendo oraes escritas. 6 pardieiro: prdio velho ou arruinado. 7 sitiante: policial. Em relao reportagem sobre a diligncia policial (4e 5pargrafos), o cronista destaca seu carter
(UNESP - 2022 - 2 FASE)Para responder s questes 01 e 02, examine a tirinha do cartunista Andr Dahmer. Para produzir o efeito cmico e tambm crtico da tirinha, o cartunista mobiliza os seguintes recursos expressivos:
(UNESP - 2022 - 1 fase - DIA 1) Leia a crnica Almaspenadas, de Olavo Bilac, publicada originalmente em 1902 Outro fantasma?... verdade: outro fantasma. J tardava. O Rio de Janeiro no pode passar muito tempo sem o seu lobisomem. Parece que tudo aqui concorre para nos impelir ao amor do sobrenatural [...]. Agora, j se no adormecem as crianas com histrias de fadas e de almas do outro mundo. Mas, ainda h menos de cinquenta anos, este era um povo de beatos [...]. [...] Os tempos melhoraram, mas guardam ainda um pouco dessa primitiva credulidade. Inventar um fantasma ainda um magnfico recurso para quem quer levar abom termo qualquer grossa patifaria. As almas simples vo propagando o terror, e, sob a capa e a salvaguarda desse temor, os patifes vo rejubilando. O novo espectro que nos aparece o de Catumbi. Comeou a surgir vagamente, sem espalhafato, pelo pacato bairro como um fantasma de grande e louvvel modstia. E to esbatido1passava o seu vulto na treva, to sutilmente deslizava ao longo das casas adormecidas que as primeiras pessoas que o viram no puderam em conscincia dizerse era duende macho ou duende fmea. [...] O fantasma no falava naturalmente por saber de longa data que pela boca que morrem os peixes e os fantasmas... Tambm, ningum lhe falava no por experincia, mas por medo.Porque, enfim, pode um homem ter nascido num sculo de luzes e de descrenas, e ter mamado o leite do liberalismo nos estafados seios da Revoluo Francesa, e no acreditar nem em Deus nem no Diabo e, apesar disso, sentir avoz presa na garganta, quando encontra na rua, a desoras2, uma avantesma3... Assim, um profundo mistrio cercava a existncia do lobisomem de Catumbi quando comearam de aparecer vestgios assinalados de sua passagem, no j pelas ruas, maspelo interior das casas. No vades agora crer que se tenham sumido, por exemplo, as hstias consagradas da igreja de Catumbi, ou que os empregados do cemitrio de S. Francisco de Paula tenham achado alguma sepultura vazia, ou que algum circunspecto pai de famlia, certa manh, ao despertar, tenha dado pela falta... da prpria alma. Nada disso. Os fenmenos eram outros. Desta casa sumiram-se as arandelas, daquela outra as galinhas, daquela outra as joias... E a polcia, finalmente, adquiriu a convico de que o lobisomem, para perptua e suprema vergonha de toda a sua classe, andava acumulando novos pecados sobre os pecados antigos, e dando-se prtica de excessos menos merecedores de exorcismos que de cadeia. Dizem as folhas4que a polcia, competentemente munida de bentinhos5e de revlveres, de amuletos e de sabres, assaltou anteontem o reduto do fantasma. Um jornal, dando conta da diligncia, disse que o delegado achou dentro da casa sinistra um velho pardieiro6que fica no topo de uma ladeira ngreme alguns objetos singulares que pareciam instrumentos pertencentes a gatunos. E acrescentou: alguns morcegos esvoaavam espavoridos, tentando apagar as velas acesas que os sitiantes7empunhavam. Esta nota de morcegos deve ser um chique romntico donoticiarista. No fundo da alma de todo o reprter h sempre um poeta... Vamos l! nestes tempos, que correm, j nem h morcegos. Esses feios quirpteros, esses medonhos ratos alados, companheiros clssicos do terror noturno, j no aparecem pelo bairro civilizado de Catumbi. Os animais, que esvoaavam espavoridos, eram sem dvida os franges roubados aos quintais das casas... Ai dos fantasmas! e mal dos lobisomens! o seu tempo passou. (Olavo Bilac.Melhores crnicas, 2005.) 1esbatido: de tom plido. 2a desoras: muito tarde. 3avantesma: alma do outro mundo, fantasma, espectro. 4folha: peridico dirio, jornal. 5bentinho: objeto de devoo contendo oraes escritas. 6pardieiro: prdio velho ou arruinado. 7sitiante: policial. Porque, enfim, pode um homem ter nascido num sculo de luzes e de descrenas, e ter mamado o leite do liberalismo nos estafados seios da Revoluo Francesa, e no acreditar nem em Deus nem no Diabo e, apesar disso, sentir a voz presa na garganta, quando encontra na rua, a desoras, uma avantesma... (2o pargrafo) Nesse trecho, o cronista acaba por desconstruir a oposio entre
(UNESP - 2022 - 1 fase - DIA 2) Para responder s questes de02a08, leia o trecho do dramaMacrio, de lvares de Azevedo. MACRIO (chega janela): mulher da casa! ol! de casa! UMA VOZ (de fora): Senhor! MACRIO: Desate a mala de meu burro e tragam-ma aqui... A VOZ: O burro? MACRIO: A mala, burro! A VOZ: A mala com o burro? MACRIO: Amarra a mala nas tuas costas e amarra o burro na cerca. A VOZ: O senhor o moo que chegou primeiro? MACRIO: Sim. Mas vai ver o burro. A VOZ: Um moo que parece estudante? MACRIO: Sim. Mas anda com a mala. A VOZ: Mas como hei de ir buscar a mala? Quer que v a p? MACRIO: Esse diabo doido! Vai a p, ou monta numa vassoura como tua me! A VOZ: Descanse, moo. O burro h de aparecer. Quando madrugar iremos procurar. OUTRA VOZ: Havia de ir pelo caminho do Nh Quito. Eu conheo o burro... MACRIO: E minha mala? A VOZ: No v? Est chovendo a potes!... MACRIO (fecha a janela): Malditos! (atira com uma cadeira no cho) O DESCONHECIDO: Que tendes, companheiro? MACRIO: No vedes? O burro fugiu... O DESCONHECIDO: No ser quebrando cadeiras que o chamareis... MACRIO: Porm a raiva... [...] O DESCONHECIDO: A mala no pareceu-me muito cheia. Senti alguma coisa sacolejar dentro. Alguma garrafa de vinho? MACRIO: No! no! mil vezes no! No concebeis, uma perda imensa, irreparvel... era o meu cachimbo... O DESCONHECIDO: Fumais? MACRIO: Perguntai de que serve o tinteiro sem tinta, a viola sem cordas, o copo sem vinho, a noite sem mulher no me pergunteis se fumo! O DESCONHECIDO (d-lhe um cachimbo): Eis a um cachimbo primoroso. [...] MACRIO: E vs? O DESCONHECIDO: No vos importeis comigo. (tira outro cachimbo e fuma) MACRIO: Sois um perfeito companheiro de viagem. Vosso nome? O DESCONHECIDO: Perguntei-vos o vosso? MACRIO: O caso que preciso que eu pergunte primeiro. Pois eu sou um estudante. Vadio ou estudioso, talentoso ou estpido, pouco importa. Duas palavras s: amo o fumo e odeio o Direito Romano. Amo as mulheres e odeio o romantismo. O DESCONHECIDO: Tocai! Sois um digno rapaz. (apertam a mo) MACRIO: Gosto mais de uma garrafa de vinho que de um poema, mais de um beijo que do soneto mais harmonioso. Quanto ao canto dos passarinhos, ao luar sonolento, s noites lmpidas, acho isso sumamente inspido. Os passarinhos sabem s uma cantiga. O luar sempre o mesmo. Esse mundo montono a fazer morrer de sono. O DESCONHECIDO: E a poesia? MACRIO: Enquanto era a moeda de ouro que corria s pela mo do rico, ia muito bem. Hoje trocou-se em moeda de cobre; no h mendigo, nem caixeiro de taverna que no tenha esse vintm azinhavrado. Entendeis-me? O DESCONHECIDO: Entendo. A poesia, de popular tornou-se vulgar e comum. Antigamente faziam-na para o povo; hoje o povo f-la... para ningum... (lvares de Azevedo.Macrio/Noite na taverna, 2002.) 1azinhavrado: coberto de azinhavre (camada de cor verde que se forma na superfcie dos objetos de cobre ou lato, resultante da corroso destes quando expostos ao ar mido). O DESCONHECIDO: Fumais? MACRIO: Perguntai de que serve o tinteiro sem tinta, a viola sem cordas, o copo sem vinho, a noite sem mulher no me pergunteis se fumo! pergunta do Desconhecido, Macrio
(UNESP - 2022 - 2 FASE)Leia o ensaio Imprio reverso, de Eduardo Giannetti, para responder s questes de 03 a 05. Imprio reverso O filsofo grego Digenes fez da autossuficincia e do controle das paixes os valores centrais de sua vida: um casaco, uma mochila e uma cisterna de argila no interior da qual pernoitava eram suas nicas posses. Intrigado com relatos sobre essa estranha figura, o imperador Alexandre Magno resolveu conferir de perto. Foi at ele e props: Sou o homem mais poderoso do mundo, pea-me o que desejar e lhe atenderei. Digenes [...] no titubeou: O senhor teria a delicadeza de afastar-se um pouco? Sua sombra est bloqueando o meu banho de sol. O filsofo e o imperador so casos extremos, mas ambos ilustram a tese socrtica de que, entre os mortais, o mais prximo dos deuses em felicidade aquele que de menor nmero de coisas carece. Alexandre, ex-pupilo e depois mecenas de Aristteles, aprendeu a lio. Quando um corteso zombou do morador da cisterna por ter desperdiado a oferta que lhe cara do cu, o imperador rebateu: Pois saiba ento voc que, se eu no fosse Alexandre, eu teria desejado ser Digenes. Os extremos se tocam. Querei s o que podeis, pondera o padre Antnio Vieira, e sereis omnipotentes. (Eduardo Giannetti. Trpicos utpicos, 2016.) Depreende-se do ensaio uma crtica, sobretudo,
(UNESP - 2022 - 1 fase - DIA 1) Leia a crnica Almaspenadas, de Olavo Bilac, publicada originalmente em 1902 Outro fantasma?... verdade: outro fantasma. J tardava. O Rio de Janeiro no pode passar muito tempo sem o seu lobisomem. Parece que tudo aqui concorre para nos impelir ao amor do sobrenatural [...]. Agora, j se no adormecem as crianas com histrias de fadas e de almas do outro mundo. Mas, ainda h menos de cinquenta anos, este era um povo de beatos [...]. [...] Os tempos melhoraram, mas guardam ainda um pouco dessa primitiva credulidade. Inventar um fantasma ainda um magnfico recurso para quem quer levar abom termo qualquer grossa patifaria. As almas simples vo propagando o terror, e, sob a capa e a salvaguarda desse temor, os patifes vo rejubilando. O novo espectro que nos aparece o de Catumbi. Comeou a surgir vagamente, sem espalhafato, pelo pacato bairro como um fantasma de grande e louvvel modstia. E to esbatido1passava o seu vulto na treva, to sutilmente deslizava ao longo das casas adormecidas que as primeiras pessoas que o viram no puderam em conscincia dizerse era duende macho ou duende fmea. [...] O fantasma no falava naturalmente por saber de longa data que pela boca que morrem os peixes e os fantasmas... Tambm, ningum lhe falava no por experincia, mas por medo.Porque, enfim, pode um homem ter nascido num sculo de luzes e de descrenas, e ter mamado o leite do liberalismo nos estafados seios da Revoluo Francesa, e no acreditar nem em Deus nem no Diabo e, apesar disso, sentir avoz presa na garganta, quando encontra na rua, a desoras2, uma avantesma3... Assim, um profundo mistrio cercava a existncia do lobisomem de Catumbi quando comearam de aparecer vestgios assinalados de sua passagem, no j pelas ruas, maspelo interior das casas. No vades agora crer que se tenham sumido, por exemplo, as hstias consagradas da igreja de Catumbi, ou que os empregados do cemitrio de S. Francisco de Paula tenham achado alguma sepultura vazia, ou que algum circunspecto pai de famlia, certa manh, ao despertar, tenha dado pela falta... da prpria alma. Nada disso. Os fenmenos eram outros. Desta casa sumiram-se as arandelas, daquela outra as galinhas, daquela outra as joias... E a polcia, finalmente, adquiriu a convico de que o lobisomem, para perptua e suprema vergonha de toda a sua classe, andava acumulando novos pecados sobre os pecados antigos, e dando-se prtica de excessos menos merecedores de exorcismos que de cadeia. Dizem as folhas4que a polcia, competentemente munida de bentinhos5e de revlveres, de amuletos e de sabres, assaltou anteontem o reduto do fantasma. Um jornal, dando conta da diligncia, disse que o delegado achou dentro da casa sinistra um velho pardieiro6que fica no topo de uma ladeira ngreme alguns objetos singulares que pareciam instrumentos pertencentes a gatunos. E acrescentou: alguns morcegos esvoaavam espavoridos, tentando apagar as velas acesas que os sitiantes7empunhavam. Esta nota de morcegos deve ser um chique romntico donoticiarista. No fundo da alma de todo o reprter h sempre um poeta... Vamos l! nestes tempos, que correm, j nem h morcegos. Esses feios quirpteros, esses medonhos ratos alados, companheiros clssicos do terror noturno, j no aparecem pelo bairro civilizado de Catumbi. Os animais, que esvoaavam espavoridos, eram sem dvida os franges roubados aos quintais das casas... Ai dos fantasmas! e mal dos lobisomens! o seu tempo passou. (Olavo Bilac.Melhores crnicas, 2005.) 1esbatido: de tom plido. 2a desoras: muito tarde. 3avantesma: alma do outro mundo, fantasma, espectro. 4folha: peridico dirio, jornal. 5bentinho: objeto de devoo contendo oraes escritas. 6pardieiro: prdio velho ou arruinado. 7sitiante: policial. Constitui exemplo de interao do cronista com o leitor o trecho
(UNESP - 2022 - 1 fase - DIA 2) Para responder s questes de02a08, leia o trecho do dramaMacrio, de lvares de Azevedo. MACRIO (chega janela): mulher da casa! ol! de casa! UMA VOZ (de fora): Senhor! MACRIO: Desate a mala de meu burro e tragam-ma aqui... A VOZ: O burro? MACRIO: A mala, burro! A VOZ: A mala com o burro? MACRIO: Amarra a mala nas tuas costas e amarra o burro na cerca. A VOZ: O senhor o moo que chegou primeiro? MACRIO: Sim. Mas vai ver o burro. A VOZ: Um moo que parece estudante? MACRIO: Sim. Mas anda com a mala. A VOZ: Mas como hei de ir buscar a mala? Quer que v a p? MACRIO: Esse diabo doido! Vai a p, ou monta numa vassoura como tua me! A VOZ: Descanse, moo. O burro h de aparecer. Quando madrugar iremos procurar. OUTRA VOZ: Havia de ir pelo caminho do Nh Quito. Eu conheo o burro... MACRIO: E minha mala? A VOZ: No v? Est chovendo a potes!... MACRIO (fecha a janela): Malditos! (atira com uma cadeira no cho) O DESCONHECIDO: Que tendes, companheiro? MACRIO: No vedes? O burro fugiu... O DESCONHECIDO: No ser quebrando cadeiras que o chamareis... MACRIO: Porm a raiva... [...] O DESCONHECIDO: A mala no pareceu-me muito cheia. Senti alguma coisa sacolejar dentro. Alguma garrafa de vinho? MACRIO: No! no! mil vezes no! No concebeis, uma perda imensa, irreparvel... era o meu cachimbo... O DESCONHECIDO: Fumais? MACRIO: Perguntai de que serve o tinteiro sem tinta, a viola sem cordas, o copo sem vinho, a noite sem mulher no me pergunteis se fumo! O DESCONHECIDO (d-lhe um cachimbo): Eis a um cachimbo primoroso. [...] MACRIO: E vs? O DESCONHECIDO: No vos importeis comigo. (tira outro cachimbo e fuma) MACRIO: Sois um perfeito companheiro de viagem. Vosso nome? O DESCONHECIDO: Perguntei-vos o vosso? MACRIO: O caso que preciso que eu pergunte primeiro. Pois eu sou um estudante. Vadio ou estudioso, talentoso ou estpido, pouco importa. Duas palavras s: amo o fumo e odeio o Direito Romano. Amo as mulheres e odeio o romantismo. O DESCONHECIDO: Tocai! Sois um digno rapaz. (apertam a mo) MACRIO: Gosto mais de uma garrafa de vinho que de um poema, mais de um beijo que do soneto mais harmonioso. Quanto ao canto dos passarinhos, ao luar sonolento, s noites lmpidas, acho isso sumamente inspido. Os passarinhos sabem s uma cantiga. O luar sempre o mesmo. Esse mundo montono a fazer morrer de sono. O DESCONHECIDO: E a poesia? MACRIO: Enquanto era a moeda de ouro que corria s pela mo do rico, ia muito bem. Hoje trocou-se em moeda de cobre; no h mendigo, nem caixeiro de taverna que no tenha esse vintm azinhavrado. Entendeis-me? O DESCONHECIDO: Entendo. A poesia, de popular tornou-se vulgar e comum. Antigamente faziam-na para o povo; hoje o povo f-la... para ningum... (lvares de Azevedo.Macrio/Noite na taverna, 2002.) 1azinhavrado: coberto de azinhavre (camada de cor verde que se forma na superfcie dos objetos de cobre ou lato, resultante da corroso destes quando expostos ao ar mido). MACRIO: Desate a mala de meu burro e tragam-ma aqui... A VOZ: O burro? MACRIO: A mala, burro! A VOZ: A mala com o burro? MACRIO: Amarra a mala nas tuas costas e amarra o burro na cerca. Para produzir o efeito cmico desse dilogo, o autor lana mo do recurso expressivo denominado
(UNESP - 2022 - 2 FASE)Leia o ensaio Imprio reverso, de Eduardo Giannetti, para responder s questes de 03 a 05. Imprio reverso O filsofo grego Digenes fez da autossuficincia e do controle das paixes os valores centrais de sua vida: um casaco, uma mochila e uma cisterna de argila no interior da qual pernoitava eram suas nicas posses. Intrigado com relatos sobre essa estranha figura, o imperador Alexandre Magno resolveu conferir de perto. Foi at ele e props: Sou o homem mais poderoso do mundo, pea-me o que desejar e lhe atenderei. Digenes [...] no titubeou: O senhor teria a delicadeza de afastar-se um pouco? Sua sombra est bloqueando o meu banho de sol. O filsofo e o imperador so casos extremos, mas ambos ilustram a tese socrtica de que, entre os mortais, o mais prximo dos deuses em felicidade aquele que de menor nmero de coisas carece. Alexandre, ex-pupilo e depois mecenas de Aristteles, aprendeu a lio. Quando um corteso zombou do morador da cisterna por ter desperdiado a oferta que lhe cara do cu, o imperador rebateu: Pois saiba ento voc que, se eu no fosse Alexandre, eu teria desejado ser Digenes. Os extremos se tocam. Querei s o que podeis, pondera o padre Antnio Vieira, e sereis omnipotentes. (Eduardo Giannetti. Trpicos utpicos, 2016.) A resposta de Digenes a Alexandre Magno pode ser caracterizada como
(UNESP - 2022 - 1 fase - DIA 2) Para responder s questes de02a08, leia o trecho do dramaMacrio, de lvares de Azevedo. MACRIO (chega janela): mulher da casa! ol! de casa! UMA VOZ (de fora): Senhor! MACRIO: Desate a mala de meu burro e tragam-ma aqui... A VOZ: O burro? MACRIO: A mala, burro! A VOZ: A mala com o burro? MACRIO: Amarra a mala nas tuas costas e amarra o burro na cerca. A VOZ: O senhor o moo que chegou primeiro? MACRIO: Sim. Mas vai ver o burro. A VOZ: Um moo que parece estudante? MACRIO: Sim. Mas anda com a mala. A VOZ: Mas como hei de ir buscar a mala? Quer que v a p? MACRIO: Esse diabo doido! Vai a p, ou monta numa vassoura como tua me! A VOZ: Descanse, moo. O burro h de aparecer. Quando madrugar iremos procurar. OUTRA VOZ: Havia de ir pelo caminho do Nh Quito. Eu conheo o burro... MACRIO: E minha mala? A VOZ: No v? Est chovendo a potes!... MACRIO (fecha a janela): Malditos! (atira com uma cadeira no cho) O DESCONHECIDO: Que tendes, companheiro? MACRIO: No vedes? O burro fugiu... O DESCONHECIDO: No ser quebrando cadeiras que o chamareis... MACRIO: Porm a raiva... [...] O DESCONHECIDO: A mala no pareceu-me muito cheia. Senti alguma coisa sacolejar dentro. Alguma garrafa de vinho? MACRIO: No! no! mil vezes no! No concebeis, uma perda imensa, irreparvel... era o meu cachimbo... O DESCONHECIDO: Fumais? MACRIO: Perguntai de que serve o tinteiro sem tinta, a viola sem cordas, o copo sem vinho, a noite sem mulher no me pergunteis se fumo! O DESCONHECIDO (d-lhe um cachimbo): Eis a um cachimbo primoroso. [...] MACRIO: E vs? O DESCONHECIDO: No vos importeis comigo. (tira outro cachimbo e fuma) MACRIO: Sois um perfeito companheiro de viagem. Vosso nome? O DESCONHECIDO: Perguntei-vos o vosso? MACRIO: O caso que preciso que eu pergunte primeiro. Pois eu sou um estudante. Vadio ou estudioso, talentoso ou estpido, pouco importa. Duas palavras s: amo o fumo e odeio o Direito Romano. Amo as mulheres e odeio o romantismo. O DESCONHECIDO: Tocai! Sois um digno rapaz. (apertam a mo) MACRIO: Gosto mais de uma garrafa de vinho que de um poema, mais de um beijo que do soneto mais harmonioso. Quanto ao canto dos passarinhos, ao luar sonolento, s noites lmpidas, acho isso sumamente inspido. Os passarinhos sabem s uma cantiga. O luar sempre o mesmo. Esse mundo montono a fazer morrer de sono. O DESCONHECIDO: E a poesia? MACRIO: Enquanto era a moeda de ouro que corria s pela mo do rico, ia muito bem. Hoje trocou-se em moeda de cobre; no h mendigo, nem caixeiro de taverna que no tenha esse vintm azinhavrado. Entendeis-me? O DESCONHECIDO: Entendo. A poesia, de popular tornou-se vulgar e comum. Antigamente faziam-na para o povo; hoje o povo f-la... para ningum... (lvares de Azevedo.Macrio/Noite na taverna, 2002.) 1azinhavrado: coberto de azinhavre (camada de cor verde que se forma na superfcie dos objetos de cobre ou lato, resultante da corroso destes quando expostos ao ar mido). Observa-se expresso empregada em sentido figurado na seguinte fala:
(UNESP - 2022 - 2 FASE)Leia o ensaio Imprio reverso, de Eduardo Giannetti, para responder s questes de 03 a 05. Imprio reverso O filsofo grego Digenes fez da autossuficincia e do controle das paixes os valores centrais de sua vida: um casaco, uma mochila e uma cisterna de argila no interior da qual pernoitava eram suas nicas posses. Intrigado com relatos sobre essa estranha figura, o imperador Alexandre Magno resolveu conferir de perto. Foi at ele e props: Sou o homem mais poderoso do mundo, pea-me o que desejar e lhe atenderei. Digenes [...] no titubeou: O senhor teria a delicadeza de afastar-se um pouco? Sua sombra est bloqueando o meu banho de sol. O filsofo e o imperador so casos extremos, mas ambos ilustram a tese socrtica de que, entre os mortais, o mais prximo dos deuses em felicidade aquele que de menor nmero de coisas carece. Alexandre, ex-pupilo e depois mecenas de Aristteles, aprendeu a lio. Quando um corteso zombou do morador da cisterna por ter desperdiado a oferta que lhe cara do cu, o imperador rebateu: Pois saiba ento voc que, se eu no fosse Alexandre, eu teria desejado ser Digenes. Os extremos se tocam. Querei s o que podeis, pondera o padre Antnio Vieira, e sereis omnipotentes. (Eduardo Giannetti. Trpicos utpicos, 2016.) Ao se transpor o trecho Foi at ele e props: Sou o homem mais poderoso do mundo, pea-me o que desejar e lhe atenderei. para o discurso indireto, os termos sublinhados assumem as formas:
(UNESP - 2022 - 1 fase - DIA 1) Leia a crnica Almaspenadas, de Olavo Bilac, publicada originalmente em 1902 Outro fantasma?... verdade: outro fantasma. J tardava. O Rio de Janeiro no pode passar muito tempo sem o seu lobisomem. Parece que tudo aqui concorre para nos impelir ao amor do sobrenatural [...]. Agora, j se no adormecem as crianas com histrias de fadas e de almas do outro mundo. Mas, ainda h menos de cinquenta anos, este era um povo de beatos [...]. [...] Os tempos melhoraram, mas guardam ainda um pouco dessa primitiva credulidade. Inventar um fantasma ainda um magnfico recurso para quem quer levar abom termo qualquer grossa patifaria. As almas simples vo propagando o terror, e, sob a capa e a salvaguarda desse temor, os patifes vo rejubilando. O novo espectro que nos aparece o de Catumbi. Comeou a surgir vagamente, sem espalhafato, pelo pacato bairro como um fantasma de grande e louvvel modstia. E to esbatido1passava o seu vulto na treva, to sutilmente deslizava ao longo das casas adormecidas que as primeiras pessoas que o viram no puderam em conscincia dizerse era duende macho ou duende fmea. [...] O fantasma no falava naturalmente por saber de longa data que pela boca que morrem os peixes e os fantasmas... Tambm, ningum lhe falava no por experincia, mas por medo.Porque, enfim, pode um homem ter nascido num sculo de luzes e de descrenas, e ter mamado o leite do liberalismo nos estafados seios da Revoluo Francesa, e no acreditar nem em Deus nem no Diabo e, apesar disso, sentir avoz presa na garganta, quando encontra na rua, a desoras2, uma avantesma3... Assim, um profundo mistrio cercava a existncia do lobisomem de Catumbi quando comearam de aparecer vestgios assinalados de sua passagem, no j pelas ruas, maspelo interior das casas. No vades agora crer que se tenham sumido, por exemplo, as hstias consagradas da igreja de Catumbi, ou que os empregados do cemitrio de S. Francisco de Paula tenham achado alguma sepultura vazia, ou que algum circunspecto pai de famlia, certa manh, ao despertar, tenha dado pela falta... da prpria alma. Nada disso. Os fenmenos eram outros. Desta casa sumiram-se as arandelas, daquela outra as galinhas, daquela outra as joias... E a polcia, finalmente, adquiriu a convico de que o lobisomem, para perptua e suprema vergonha de toda a sua classe, andava acumulando novos pecados sobre os pecados antigos, e dando-se prtica de excessos menos merecedores de exorcismos que de cadeia. Dizem as folhas4que a polcia, competentemente munida de bentinhos5e de revlveres, de amuletos e de sabres, assaltou anteontem o reduto do fantasma. Um jornal, dando conta da diligncia, disse que o delegado achou dentro da casa sinistra um velho pardieiro6que fica no topo de uma ladeira ngreme alguns objetos singulares que pareciam instrumentos pertencentes a gatunos. E acrescentou: alguns morcegos esvoaavam espavoridos, tentando apagar as velas acesas que os sitiantes7empunhavam. Esta nota de morcegos deve ser um chique romntico donoticiarista. No fundo da alma de todo o reprter h sempre um poeta... Vamos l! nestes tempos, que correm, j nem h morcegos. Esses feios quirpteros, esses medonhos ratos alados, companheiros clssicos do terror noturno, j no aparecem pelo bairro civilizado de Catumbi. Os animais, que esvoaavam espavoridos, eram sem dvida os franges roubados aos quintais das casas... Ai dos fantasmas! e mal dos lobisomens! o seu tempo passou. (Olavo Bilac.Melhores crnicas, 2005.) 1esbatido: de tom plido. 2a desoras: muito tarde. 3avantesma: alma do outro mundo, fantasma, espectro. 4folha: peridico dirio, jornal. 5bentinho: objeto de devoo contendo oraes escritas. 6pardieiro: prdio velho ou arruinado. 7sitiante: policial. Em o lobisomem, para perptua e suprema vergonha de toda a sua classe, andava acumulando novos pecados sobre os pecados antigos, e dando-se prtica de excessos menos merecedores de exorcismos que de cadeia (3 pargrafo), o trecho sublinhado constitui um exemplo de
(UNESP - 2022 - 2 FASE)Para responder s questes de 06 a 08, leia o soneto de Lus de Cames. Enquanto quis Fortuna1que tivesse Esperana de algum contentamento, O gosto de um suave pensamento2 Me fez que seus efeitos escrevesse. Porm, temendo Amor3que aviso desse Minha escritura a algum juzo isento4, Escureceu-me o engenho5com tormento, Para que seus enganos no dissesse. vs que Amor obriga a ser sujeitos A diversas vontades, quando lerdes Num breve livro casos to diversos, Verdades puras so, e no defeitos6 E sabei que, segundo o amor tiverdes, Tereis o entendimento de meus versos (Lus de Cames. 20 sonetos, 2018.) 1 Fortuna: entidade mtica que presidia a sorte dos homens. 2 suave pensamento: sentimento amoroso. 3 Amor: entidade mtica que personifica o amor. 4 juzo isento: os inocentes do amor, aqueles que nunca se apaixonaram. 5 engenho: talento potico, inspirao. 6 defeitos: inverdades, fantasia. No soneto, Amor teme que
(UNESP - 2022 - 1 fase - DIA 1) Leia a crnica Almaspenadas, de Olavo Bilac, publicada originalmente em 1902 Outro fantasma?... verdade: outro fantasma. J tardava. O Rio de Janeiro no pode passar muito tempo sem o seu lobisomem. Parece que tudo aqui concorre para nos impelir ao amor do sobrenatural [...]. Agora, j se no adormecem as crianas com histrias de fadas e de almas do outro mundo. Mas, ainda h menos de cinquenta anos, este era um povo de beatos [...]. [...] Os tempos melhoraram, mas guardam ainda um pouco dessa primitiva credulidade. Inventar um fantasma ainda um magnfico recurso para quem quer levar abom termo qualquer grossa patifaria. As almas simples vo propagando o terror, e, sob a capa e a salvaguarda desse temor, os patifes vo rejubilando. O novo espectro que nos aparece o de Catumbi. Comeou a surgir vagamente, sem espalhafato, pelo pacato bairro como um fantasma de grande e louvvel modstia. E to esbatido1passava o seu vulto na treva, to sutilmente deslizava ao longo das casas adormecidas que as primeiras pessoas que o viram no puderam em conscincia dizerse era duende macho ou duende fmea. [...] O fantasma no falava naturalmente por saber de longa data que pela boca que morrem os peixes e os fantasmas... Tambm, ningum lhe falava no por experincia, mas por medo.Porque, enfim, pode um homem ter nascido num sculo de luzes e de descrenas, e ter mamado o leite do liberalismo nos estafados seios da Revoluo Francesa, e no acreditar nem em Deus nem no Diabo e, apesar disso, sentir avoz presa na garganta, quando encontra na rua, a desoras2, uma avantesma3... Assim, um profundo mistrio cercava a existncia do lobisomem de Catumbi quando comearam de aparecer vestgios assinalados de sua passagem, no j pelas ruas, maspelo interior das casas. No vades agora crer que se tenham sumido, por exemplo, as hstias consagradas da igreja de Catumbi, ou que os empregados do cemitrio de S. Francisco de Paula tenham achado alguma sepultura vazia, ou que algum circunspecto pai de famlia, certa manh, ao despertar, tenha dado pela falta... da prpria alma. Nada disso. Os fenmenos eram outros. Desta casa sumiram-se as arandelas, daquela outra as galinhas, daquela outra as joias... E a polcia, finalmente, adquiriu a convico de que o lobisomem, para perptua e suprema vergonha de toda a sua classe, andava acumulando novos pecados sobre os pecados antigos, e dando-se prtica de excessos menos merecedores de exorcismos que de cadeia. Dizem as folhas4que a polcia, competentemente munida de bentinhos5e de revlveres, de amuletos e de sabres, assaltou anteontem o reduto do fantasma. Um jornal, dando conta da diligncia, disse que o delegado achou dentro da casa sinistra um velho pardieiro6que fica no topo de uma ladeira ngreme alguns objetos singulares que pareciam instrumentos pertencentes a gatunos. E acrescentou: alguns morcegos esvoaavam espavoridos, tentando apagar as velas acesas que os sitiantes7empunhavam. Esta nota de morcegos deve ser um chique romntico donoticiarista. No fundo da alma de todo o reprter h sempre um poeta... Vamos l! nestes tempos, que correm, j nem h morcegos. Esses feios quirpteros, esses medonhos ratos alados, companheiros clssicos do terror noturno, j no aparecem pelo bairro civilizado de Catumbi. Os animais, que esvoaavam espavoridos, eram sem dvida os franges roubados aos quintais das casas... Ai dos fantasmas! e mal dos lobisomens! o seu tempo passou. (Olavo Bilac.Melhores crnicas, 2005.) 1esbatido: de tom plido. 2a desoras: muito tarde. 3avantesma: alma do outro mundo, fantasma, espectro. 4folha: peridico dirio, jornal. 5bentinho: objeto de devoo contendo oraes escritas. 6pardieiro: prdio velho ou arruinado. 7sitiante: policial. Em Vamos l! nestes tempos, que correm, j nem h morcegos (5 pargrafo), o termo sublinhado est empregado na mesma acepo do termo sublinhado em
(UNESP - 2022 - 1 fase - DIA 2) Para responder s questes de02a08, leia o trecho do dramaMacrio, de lvares de Azevedo. MACRIO (chega janela): mulher da casa! ol! de casa! UMA VOZ (de fora): Senhor! MACRIO: Desate a mala de meu burro e tragam-ma aqui... A VOZ: O burro? MACRIO: A mala, burro! A VOZ: A mala com o burro? MACRIO: Amarra a mala nas tuas costas e amarra o burro na cerca. A VOZ: O senhor o moo que chegou primeiro? MACRIO: Sim. Mas vai ver o burro. A VOZ: Um moo que parece estudante? MACRIO: Sim. Mas anda com a mala. A VOZ: Mas como hei de ir buscar a mala? Quer que v a p? MACRIO: Esse diabo doido! Vai a p, ou monta numa vassoura como tua me! A VOZ: Descanse, moo. O burro h de aparecer. Quando madrugar iremos procurar. OUTRA VOZ: Havia de ir pelo caminho do Nh Quito. Eu conheo o burro... MACRIO: E minha mala? A VOZ: No v? Est chovendo a potes!... MACRIO (fecha a janela): Malditos! (atira com uma cadeira no cho) O DESCONHECIDO: Que tendes, companheiro? MACRIO: No vedes? O burro fugiu... O DESCONHECIDO: No ser quebrando cadeiras que o chamareis... MACRIO: Porm a raiva... [...] O DESCONHECIDO: A mala no pareceu-me muito cheia. Senti alguma coisa sacolejar dentro. Alguma garrafa de vinho? MACRIO: No! no! mil vezes no! No concebeis, uma perda imensa, irreparvel... era o meu cachimbo... O DESCONHECIDO: Fumais? MACRIO: Perguntai de que serve o tinteiro sem tinta, a viola sem cordas, o copo sem vinho, a noite sem mulher no me pergunteis se fumo! O DESCONHECIDO (d-lhe um cachimbo): Eis a um cachimbo primoroso. [...] MACRIO: E vs? O DESCONHECIDO: No vos importeis comigo. (tira outro cachimbo e fuma) MACRIO: Sois um perfeito companheiro de viagem. Vosso nome? O DESCONHECIDO: Perguntei-vos o vosso? MACRIO: O caso que preciso que eu pergunte primeiro. Pois eu sou um estudante. Vadio ou estudioso, talentoso ou estpido, pouco importa. Duas palavras s: amo o fumo e odeio o Direito Romano. Amo as mulheres e odeio o romantismo. O DESCONHECIDO: Tocai! Sois um digno rapaz. (apertam a mo) MACRIO: Gosto mais de uma garrafa de vinho que de um poema, mais de um beijo que do soneto mais harmonioso. Quanto ao canto dos passarinhos, ao luar sonolento, s noites lmpidas, acho isso sumamente inspido. Os passarinhos sabem s uma cantiga. O luar sempre o mesmo. Esse mundo montono a fazer morrer de sono. O DESCONHECIDO: E a poesia? MACRIO: Enquanto era a moeda de ouro que corria s pela mo do rico, ia muito bem. Hoje trocou-se em moeda de cobre; no h mendigo, nem caixeiro de taverna que no tenha esse vintm azinhavrado. Entendeis-me? O DESCONHECIDO: Entendo. A poesia, de popular tornou-se vulgar e comum. Antigamente faziam-na para o povo; hoje o povo f-la... para ningum... (lvares de Azevedo.Macrio/Noite na taverna, 2002.) 1azinhavrado: coberto de azinhavre (camada de cor verde que se forma na superfcie dos objetos de cobre ou lato, resultante da corroso destes quando expostos ao ar mido). Enquanto era a moeda de ouro que corria s pela mo do rico, ia muito bem. Em relao orao que o sucede, o trecho sublinhado expressa noo de
(UNESP - 2022 - 1 fase - DIA 1) Leia a crnica Almaspenadas, de Olavo Bilac, publicada originalmente em 1902 Outro fantasma?... verdade: outro fantasma. J tardava. O Rio de Janeiro no pode passar muito tempo sem o seu lobisomem. Parece que tudo aqui concorre para nos impelir ao amor do sobrenatural [...]. Agora, j se no adormecem as crianas com histrias de fadas e de almas do outro mundo. Mas, ainda h menos de cinquenta anos, este era um povo de beatos [...]. [...] Os tempos melhoraram, mas guardam ainda um pouco dessa primitiva credulidade. Inventar um fantasma ainda um magnfico recurso para quem quer levar abom termo qualquer grossa patifaria. As almas simples vo propagando o terror, e, sob a capa e a salvaguarda desse temor, os patifes vo rejubilando. O novo espectro que nos aparece o de Catumbi. Comeou a surgir vagamente, sem espalhafato, pelo pacato bairro como um fantasma de grande e louvvel modstia. E to esbatido1passava o seu vulto na treva, to sutilmente deslizava ao longo das casas adormecidas que as primeiras pessoas que o viram no puderam em conscincia dizerse era duende macho ou duende fmea. [...] O fantasma no falava naturalmente por saber de longa data que pela boca que morrem os peixes e os fantasmas... Tambm, ningum lhe falava no por experincia, mas por medo.Porque, enfim, pode um homem ter nascido num sculo de luzes e de descrenas, e ter mamado o leite do liberalismo nos estafados seios da Revoluo Francesa, e no acreditar nem em Deus nem no Diabo e, apesar disso, sentir avoz presa na garganta, quando encontra na rua, a desoras2, uma avantesma3... Assim, um profundo mistrio cercava a existncia do lobisomem de Catumbi quando comearam de aparecer vestgios assinalados de sua passagem, no j pelas ruas, maspelo interior das casas. No vades agora crer que se tenham sumido, por exemplo, as hstias consagradas da igreja de Catumbi, ou que os empregados do cemitrio de S. Francisco de Paula tenham achado alguma sepultura vazia, ou que algum circunspecto pai de famlia, certa manh, ao despertar, tenha dado pela falta... da prpria alma. Nada disso. Os fenmenos eram outros. Desta casa sumiram-se as arandelas, daquela outra as galinhas, daquela outra as joias... E a polcia, finalmente, adquiriu a convico de que o lobisomem, para perptua e suprema vergonha de toda a sua classe, andava acumulando novos pecados sobre os pecados antigos, e dando-se prtica de excessos menos merecedores de exorcismos que de cadeia. Dizem as folhas4que a polcia, competentemente munida de bentinhos5e de revlveres, de amuletos e de sabres, assaltou anteontem o reduto do fantasma. Um jornal, dando conta da diligncia, disse que o delegado achou dentro da casa sinistra um velho pardieiro6que fica no topo de uma ladeira ngreme alguns objetos singulares que pareciam instrumentos pertencentes a gatunos. E acrescentou: alguns morcegos esvoaavam espavoridos, tentando apagar as velas acesas que os sitiantes7empunhavam. Esta nota de morcegos deve ser um chique romntico donoticiarista. No fundo da alma de todo o reprter h sempre um poeta... Vamos l! nestes tempos, que correm, j nem h morcegos. Esses feios quirpteros, esses medonhos ratos alados, companheiros clssicos do terror noturno, j no aparecem pelo bairro civilizado de Catumbi. Os animais, que esvoaavam espavoridos, eram sem dvida os franges roubados aos quintais das casas... Ai dos fantasmas! e mal dos lobisomens! o seu tempo passou. (Olavo Bilac.Melhores crnicas, 2005.) 1esbatido: de tom plido. 2a desoras: muito tarde. 3avantesma: alma do outro mundo, fantasma, espectro. 4folha: peridico dirio, jornal. 5bentinho: objeto de devoo contendo oraes escritas. 6pardieiro: prdio velho ou arruinado. 7sitiante: policial. A expresso sublinhada em No fundo da alma de todo o reprter h sempre um poeta... (5 pargrafo) exerce a mesma funo sinttica da expresso sublinhada em